De Fernando de Pádua

26.11.10

Dois ou três subitos impulsos

19 de Novembro

Na minha qualidade de Médico com 60 anos de experiência de clínica – privada, voluntária, convencionada, hospitalar e docente – sinto a necessidade de expor a minha opinião pessoal sobre 2 ou 3 temas que me parecem candentes na nossa Sociedade de hoje, e face aos quais não sou insensível. Todavia não tento, nem quero mesmo, criar qualquer espécie de luta fratricida intergeracional, ou sequer abrir polémica.
É um testemunho, que aqui fica escrito, para quem o quiser ler (e talvez nem o mereça). O seu único mérito é ter sido vivido – saber de experiência feito!

O MÉDICO
1 - Toda a vida disse e ensinei que “O Médico é o melhor remédio”, e continuo a constatá-lo todos os dias! Acontece que tal não é o sentir de maioria dos responsáveis não médicos pela saúde (e de alguns médicos também).
Num passado já longínquo, todos nós fomos acusados ou culpados de quase todos os problemas da saúde. Desacreditados e desanimados, vendo a nossa aura de respeitabilidade amesquinhada, e os nossos créditos científicos postos diariamente em causa (e cada vez mais em Tribunal), todos nós vimos os doentes, reais ou imaginários, passarem a acreditar quase só nos “exames” (técnicas auxiliares de diagnóstico), e os médicos passarem a ter que se defender, multiplicando esses mesmos exames.
As despesas com os cuidados médicos subiram em espiral, e a eficácia das terapêuticas baixou desnecessariamente, para não dizer infelizmente.
E a grande maioria dos médicos e dos doentes passaram a sentir-se mais infelizes também, sem acreditarem uns nos outros.

A ESCOLHA DO MÉDICO
2 – Tenho escrito imensas vezes uma máxima que considero ainda quase indesmentível – “Escolha um médico em quem confie e agarre-se a ele como se fosse o seu mais precioso tesouro! Porque de facto é!!”
Nos tempos idos que atrás recordei, quando todos os médicos, “eram” muito maus!... uma colega no Hospital de Santa Maria (MJC) disse-me uma vez: o Professor já viu? Os médicos “são” todos muito maus, mas todos os doentes dizem: o meu não! Tenho sorte porque o meu é muito bom (aquele que tinham escolhido!).
Não me cansei ainda de repetir esta história ao longo dos anos, pois poucos dos mais novos viveram esses tempos e essa experiência. Por isso não quero deixar de transmitir aqui o meu pensamento e expor as minhas dúvidas, num momento em que o Estado, os Médicos e a nossa Ordem parecem estar procurando todos o melhor caminho (esquecendo-se contudo de interrogar a opinião dos doentes).
Porquê não dar ao doente o direito de escolher o seu médico? E todos os médicos serem convencionados? O Estado e a Ordem estabeleceriam uma tabela mínima (e máxima?) em que estipulariam o preço que pagariam pela consulta de todo e qualquer doente (ou o exame, ou a técnica, o tratamento ou a operação).
Num Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito, cada exame, cada técnica, cada consulta e cada acto terapêutico especializado, cada cirurgia, teriam assim o seu preço, a ser pago por igual a todos os médicos.
E cada médico estipularia por seu lado o seu preço.
O Estado aceitaria fazer .convenção com todos os médicos que o quisessem. E o doente escolheria livremente conforme o seu interesse, a seu desejo, as qualidades deste ou daquele médico, os preços maiores ou menores, sabendo-se que a base estaria sempre paga pelo Estado, fosse qual fosse o médico escolhido.

Uma analogia: já pensou? O Estado também poderia decidir assegurar e pagar o transporte de todos os seus funcionários para o trabalho, ou de todos os alunos para a sua escola, sendo portanto o transporte tendencialmente gratuito. Todos poderiam escolher o seu autocarro ou o metro, e quem quisesse ir de táxi pagaria mais e quem quisesse comprar um carro mais ainda, mas a base estaria sempre garantida. E cada um terá à escolha toda a gama de transportes e de carros disponíveis e usava ou comprava este, aquele ou outro modelo conforme quisesse ou pudesse. Mas teria sempre assegurado o valor básico do passe do autocarro e do metro.


E o mesmo em restaurantes se o Estado quisesse garantir a alimentação de todos os seus empregados ou dos seus estudantes, pagaria o essencial. Os prazeres extra seriam pagos por quem quisesse ou pudesse, como em tudo afinal.


A livre escolha dá a liberdade ao doente – no caso dos médicos, ou aos trabalhadores, ou aos estudantes) e teriam a consulta, a viagem ou a alimentação assegurados, e podem andar de metro ou bus como eu ando, mas poderão escolher o táxi como eu às vezes faço ou preciso, ou ir no seu próprio carro, como eu que ainda o tenho.
O doente tem garantida a consulta médica, qualquer médico tem garantido o pagamento convencionado dos que o procurarem, os médicos de clínica geral ou os especialistas pedirão o seu preço, e cada doente escolhe este, aquele ou àqueloutro como quiser, conforme o preço que lhe pedem, o tempo que lhe dão, os horários que disponibilizam, a sabedoria que tenham ou os títulos que possuam, o calor humano, a ternura, os resultados, os horários, os atrasos e quem quiser pagará a diferença para ter aquilo que prefere.
Com a livre escolha os mais dedicados serão obviamente favorecidos e não terão mãos a medir (em todos os níveis de preços) e os desatentos, descuidados, distraídos ou malcriados, ou mesmo maus, serão pura e simplesmente ignorados ou esquecidos (por muito importantes que se julguem).
Todos poderão ter o seu médico ou o seu especialista (ou a sua viagem, ou a sua refeição) e todos os médicos podem atender os doentes pagos pelo Estado, e a relação entre os dois – médico e doente - será talvez aquela mais próxima do que todos os conceitos de ética recomendam.
Digo será talvez porque sei que haverá sempre falhas e erros em qualquer sistema – diria mesmo que isso está na nossa natureza.

3 – Finalmente
OS GENÉRICOS

O princípio parece-me correcto – passado um tempo, considerado suficiente para compensar os gastos da investigação (que o Estado não consegue pagar ou não quer implementar), a Indústria Farmacêutica abre as portas à generalização dos seus produtos, e o Estado permite o licenciamento daqueles que o queiram e sejam capazes de reproduzir o original.
Não sei dizer muito mais, mas posso deixar aqui o meu testemunho e o meu parecer:

Não creio que seja crível, ninguém acredita, que há dezenas e dezenas de genéricos de estatinas, de hipotensores, de inibidores da bomba de protões ou de anti inflamatórios não esteróides - para só citar alguns – e que todos eles serão, super criteriosamente, vigiados e certificados na sua pureza, nos seus excipientes, na sua forma clínica, de tal forma que todos são “iguaizinhos” ao original. As probabilidades de o não serem é quase infinita (se ao menos forem só 2 ou 3 !!!).
Acresce que poucos dos que defendem essa verdade, terão tido ocasião de testemunhar, como nós clínicos observamos no nosso dia-a-dia: os doentes (mais ou menos idosos, mais ou menos iliteratos) debatendo-se com caixas de várias cores, comprimidos de várias formas e, por enquanto, nomes tão diferentes.

O erro, a intoxicação por excessos (caixas diferentes do mesmo medicamento) ou o agravamento da doença por deixar de ser tratada (o doente desconfia que se enganaram na receita, e não toma o genérico), farão vitimas de que ninguém terá culpa!.


A ESCOLHA DOS ALUNOS


Em jeito de “encore” que esta já vai longa: as Universidades, e as Faculdades devem ter o direito de escolher os seus alunos, e os candidatos devem ter o direito a escolher ab initio a Faculdade a que querem concorrer! Será desde logo uma pré-selecção altamente favorável às boas intenções e às boas escolhas

Não é pela nota de matemática que se escolhe um bom médico, deixando de lado verdadeiras vocações. Entendo que uma pequena entrevista, validada a 15 ou 20%, ou um currículo bem estruturado (como pude testar na minha Faculdade, muito anos atrás), podem dar uma extraordinária ajuda na escolha qualificada dos candidatos, (como aliás todas as empresas de sucesso sabem fazer, e muitas Universidades estrangeiras também! Assim fui eu para Harvard, em concurso Mundial.

E aqui ficam em súbito impulso os meus desabafos.